Negros em fotografias da colônia de Carambeí

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Por Henrique Proença

A formação da cidade de Carambeí está diretamente ligada ao tropeirismo. Como a região está próxima da rota de viagem desse grupo, havia a procura de lugares seguros para o pouso, para aqueles que procuravam por localidades distantes como o viajante e botânico naturalista August Saint-Hilaire descreve em seus relatos sobre a passagem de Castro, onde os líderes das comitivas temiam pelo gasto de dinheiro de seus homens em bordéis:

 “[…] Por  isso  os  donos das tropas de burros evitam cuidadosamente os povoados e procuram  pernoitar em lugares isolados ou em ranchos distantes das vilas e arraiais. Quando não podem evitar os povoados, seus tropeiros escondem os burros a fim de poderem passar mais  tempo em farras com as mulheres[…]” SAINT-HILAIRE., p. 53.

A procura por pequenos agrupamentos existia, assim, por exemplo aconteceu na fazenda de Capão Alto, em Castro e na Fazenda Carambehy local de paragem e passagem de tropeiros, como é comentado no livro “Formação histórica de Carambeí: Etnias, cultura e território”:

A consolidação da sesmaria a Pedro Taques de Almeida uma das medidas adotadas […] Foi a obrigatoriedade de que se fizesse um curral de gado […] Nessa época os Campos Gerais (e por conseguinte Carambeí) estavam sob a jurisdição de Curitiba que ficava na capitania de São Vicente. Posteriormente tornar-se ia caminho das tropas de muares e vacuns que vinham de Viamão (atual Rio Grande do Sul) para Sorocaba (atual Estado de São Paulo (2008, p. 21-22).

Muitos desses lugares tiveram suas práticas mescladas com a de tropeiros, mantendo assim essa memória presente na atualidade, fruto de relatos de viajantes e memorialistas. Além da própria população da época que mesclava as práticas.

O Brasil e, mais especificamente o Paraná possuíam a presença de europeus como os portugueses que deram origem aos luso-brasileiros e caboclos que eram resultados da miscigenação, estes viviam livres pelo território. Suas famílias, não possuíam casas próprias e a concentração da população estava no litoral, enquanto na região mais central do Estado não havia moradores, diante desses aspectos o governo iniciou um processo de colonização em regiões internas. Essas colônias começam a surgir no século XIX visando a inserção de mão de obra europeia a fim de substituir o trabalho de negros escravizados, assim como discorre Paula Beiguelman em seu livro A crise do escravismo e a grande imigração.

A colônia de Carambeí surge no século XX com a imigração e migração de holandeses que tinham imigrado primeiramente a colônia de Irati, mas devido a dificuldades com o plantio, foram cooptados pela divulgação da nova colônia pela Railway Company para tentarem se estabelecer em novo solo. A partir do acervo do Museu Parque Histórico de Carambeí podemos ver evidências de que a colônia possuía a presença de diferentes grupos étnicos durante sua existência, o que contribuiu para que a cidade possua uma rica diversidade populacional entre seus habitantes.

Após a abolição, em 1888, houve uma enorme quantidade de pessoas negras escravizados que foram libertadas sem auxílio de governo ou de seus ex senhores, os levando aos trabalhos que apareciam. Os antigos donos de escravos não pagariam para que o trabalho que era feito de graça, fosse remunerado.

Por meio de documentos fotográficos presentes no acervo do Museu Parque Histórico de Carambeí encontramos várias evidências de que a população negra encontrou em Carambeí um lugar para se viver e se socializar, interagindo com outras populações e fazendo parte da história da região como indivíduos presentes desde o início da colônia e da cidade, mesmo essa história não estando presente em livros e na própria narrativa da região.

Na primeira imagem, observamos a representação de dois homens negros  engajados em atividades agrícolas, sendo conduzidos por cavalos em uma carroça. Essa imagem remete a reflexões importantes sobre a natureza do trabalho desempenhado por eles na época retratada, que provavelmente ocorreu durante o século XX na região dos Campos Gerais. É particularmente interessante considerar o contexto histórico em que essa atividade era realizada. A agricultura, predominantemente, foi central no trabalho escravo ao longo dos séculos no Brasil. Após a abolição da escravidão, muitos indivíduos libertos enfrentaram desafios significativos, incluindo a falta de oportunidades de emprego e de formação educacional adequada. No entanto, essas pessoas traziam consigo a experiência adquirida durante o período de escravidão, que se tornou uma base fundamental para a busca de trabalho remunerado. Ao se tornarem livres, esses indivíduos procuraram oferecer suas habilidades e conhecimentos agrícolas em troca de uma renda, ao mesmo tempo em que buscavam um ambiente de trabalho que lhes garantisse tratamento humano e digno, diferentemente das condições em que eram considerados propriedades. A imagem nos convida a refletir sobre a continuidade das práticas agrícolas na região dos Campos Gerais, mesmo após a abolição da escravidão. Ela evidencia a resiliência e a capacidade de adaptação desses indivíduos, que utilizaram suas experiências prévias para sobreviver e prosperar em um contexto pós-escravidão, buscando autonomia e uma nova forma de inserção na sociedade.

 

 

Ao longo dos anos, os colonos dos Campos Gerais estabeleceram cooperativas para impulsionar a economia local. A primeira delas foi a Sociedade Cooperativa Hollandeza de Laticínios Batavo, fundada em 1925. Posteriormente, em 1954, tornou-se a Cooperativa Central de Laticínios do Paraná, que abriu portas para diversas oportunidades de emprego na região. Um ponto interessante sobe ambas é que elas proporcionaram empregos não apenas para os descendentes de colonos, mas também para os negros descendentes de escravizados. Essa inclusão de mão de obra diversificada contribuiu para a formação de uma sociedade mais diversa e ofereceu novas perspectivas para os que estavam à margem.

 

 

 

Além do aspecto econômico, as cooperativas também desempenharam um papel importante na promoção da socialização entre os trabalhadores e suas famílias. Por meio dos eventos organizados pelas próprias cooperativas, adultos e crianças tiveram a oportunidade de se reunir, interagir e compartilhar momentos de convívio. Dessa forma, pode-se pensar que a presença das cooperativas holandesas nos Campos Gerais não apenas impulsionou a economia e criou empregos, mas também contribuiu para a inclusão social e proporcionou momentos de integração entre as comunidades de diferentes origens étnicas.

Além do aspecto econômico, as cooperativas também desempenharam um papel importante na promoção da socialização entre os trabalhadores e suas famílias. Por meio dos eventos organizados pelas próprias cooperativas, adultos e crianças tiveram a oportunidade de se reunir, interagir e compartilhar momentos de convívio. Dessa forma, pode-se pensar que a presença das cooperativas holandesas nos Campos Gerais não apenas impulsionou a economia e criou empregos, mas também contribuiu para a inclusão social e proporcionou momentos de integração entre as comunidades de diferentes origens étnicas.

Na segunda foto, podemos observar um homem negro em pé ao lado de uma máquina conhecida como desnatadeira manual. Essa máquina era utilizada para separar a nata do leite. A presença desse operário ao lado da desnatadeira sugere que ele provavelmente desempenhava a função de operador deste equipamento.

Durante esse período de industrialização, a fábrica de laticínios de Carambeí experimentou uma série de mudanças significativas em sua estrutura física e em suas operações. Uma transformação importante que ocorreu foi a transição da construção em madeira para a construção em alvenaria. Essa mudança na estrutura física da fábrica foi um marco importante, pois a construção em alvenaria oferecia maior durabilidade e estabilidade em comparação com a estrutura de madeira anterior. Além disso, a construção em alvenaria permitiu a expansão das instalações, proporcionando mais espaço para acomodar o crescimento da produção e o uso de máquinas. Falando em máquinas, durante essa fase de industrialização, a fábrica de laticínios também adquiriu novas máquinas para melhorar e otimizar seus processos de produção. Esses equipamentos desempenharam um papel fundamental na modernização, aumentando a eficiência e a capacidade de produção.

É importante ressaltar que essas mudanças ocorreram em um contexto em que a colônia de Carambeí recebia o cônsul holandês. Essa visita indicava a importância e o reconhecimento que a fábrica de laticínios estava alcançando naquela época, tanto a nível local quanto internacional.

Piquenique a cavalo

As relações sociais na colônia não se limitavam apenas ao ambiente de trabalho. No livro de comemoração aos 75 anos de Carambeí, é mencionado um aspecto interessante da vida dos habitantes da colônia: os momentos de lazer. O piquenique chamado de “segundo-dia-de-festa”, que ocorria nos dias seguintes aos feriados cristãos, como a Páscoa, Pentecostes e Natal, reunia toda a comunidade para celebrar e se divertir. Os jovens desempenhavam um papel importante na organização desses eventos, preparando programas com música, declamações e teatros. Além disso, um dos destaques era a montagem de cavalos, sendo que alguns cavaleiros eram considerados mestres nessa atividade pelo próprio autor. A foto acima é uma cena da década de 1930 que mostra um grupo de cavaleiros se dirigindo a um desses piqueniques. É interessante observar que o grupo é diverso, com a presença de negros e caboclos, é interessante ver como todos estão a cavalo, demonstrando que todos tem a princípio o mesmo objetivo: chegar à festividade e possivelmente participar da montagem de cavalos.

                                                                              

 

Essas interações persistem ao longo dos anos, com a presença contínua de trabalhadores negros na fábrica, o que acaba refletindo em uma maior integração social. Além disso, as festas promovidas pela cooperativa entre seus funcionários fortaleceram ainda mais essas relações de sociabilidade entre amigos e colegas de trabalho. Os torneios esportivos entre os funcionários, onde muitos praticavam esportes individuais e coletivos, criando assim uma relação de parceria entre vários indivíduos de grupos étnicos diferentes.

 

             

 

É possível observar que a presença de pessoas negras se torna constante nas fotografias da cooperativa, o que indica que, apesar das dificuldades enfrentadas por esse grupo no passado, alguns indivíduos conseguiram se inserir e progredir, formando famílias na cidade de Carambeí.

 

 

Na foto seguinte, podemos observar que retrata uma cena de mímica durante uma celebração religiosa. Há três meninas, duas das quais são negras, realizando uma performance que parece atrair a atenção de um grupo de crianças. Essa imagem é significativa, pois evidencia que não apenas pessoas negras participavam das práticas religiosas, mas também estavam envolvidas na organização e realização dos eventos dentro da Paróquia Imaculada Conceição. Além disso, a presença de crianças indica que a comemoração possivelmente era direcionado a esse público específico.

 

É fundamental reconhecer e valorizar a diversidade étnica e cultural nas práticas religiosas, bem como a participação de pessoas de diferentes origens em festas comunitárias. Essa foto ilustra um exemplo de inclusão e mostra como a religião pode unir pessoas de diversas origens e idades.

As fotografias examinadas evidenciam a presença e a participação de pessoas de diversas origens étnico-raciais, incluindo indivíduos negros, em diferentes contextos, como no trabalho, seja ele nas fábricas da cooperativa, ou nas propriedades dos cooperados, celebrações religiosas e eventos. Essas imagens fornecem uma representação visual da riqueza da diversidade étnica que tem resistido ao longo dos anos e que desempenhou um papel significativo na formação da identidade cultural de Carambeí.

Com essas fotografias, é possível perceber a importância de reconhecer e valorizar a contribuição desses diferentes grupos para o desenvolvimento e crescimento da cidade. Essa diversidade étnica e cultural enriquece o tecido social de Carambeí, fortalecendo os laços comunitários e promovendo a coexistência entre os diferentes grupos presentes na cidade.

Essa pesquisa, baseada nas fotografias do acervo do Museu Parque Histórico de Carambeí, oferece uma perspectiva valiosa sobre a formação da população atual da cidade, destacando a pluralidade étnico-racial que tem sido um elemento central na construção da identidade local. Por meio dessa análise, é possível compreender melhor a história de Carambeí e valorizar a diversidade como um patrimônio cultural a ser preservado e celebrado.

 

REFERÊNCIAS

KOOY, Hendrik Adrianus. Carambeí 75 anos. [S.l.]: [s.n.], [s.d.].

SATO, Áureo de Jesus et al. Formação Histórica de Carambeí: Etnias, cultura e Território. Carambeí: Prefeitura Municipal de Carambeí, 2008.

SAINT HILAIRE, Auguste Du. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Prefácio Mário G. Ferri. Tradução: Regina Regis Junqueira. Belo Horizonte; São Paulo: Editora Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo, 1978.

Coordenadoria do Patrimônio Cultural. Fazenda Capão Alto. Curitiba: SECE, 1985. (Cadernos do Patrimônio. Série: estudos, 1). Reeditado por Kugler artes gráficas LTDA.

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